domingo, 22 de janeiro de 2012

Primeiro Capítulo do Meu Próximo Livro - Uma Filosofia da Educação do Campo Que Faz a Diferença

1.      COMO SE CONSTROEM AS CONCEPÇÕES

1.1. INTRODUÇÃO

Esse texto será o primeiro capítulo do meu próximo livro a ser lançado em outubro de 2012 sobre UMA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, que faz a diferença. Estou compartilhando desde já com leitores e leitoras.

Há pessoas que imaginam ser a única responsável pelas suas idéias, pelos seus pensamentos, pelas suas concepções demundo, de história, de homem, de mulher, de trabalho, de sociedade, de educação, de arte, de cultura. Todos nós já escutamos outras pessoas dizerem: “na minha opinião, no meu modo de pensar, no meu ponto de vista...”. Esse texto pretende situar o processo de formação das concepções pelas pessoas. Como se originam e se desenvolvem.

Para entender Educação do Campo é preciso ter uma ideia aproximada de como entendemos a Educação em geral, o seu papel, o papel do professor, do estudante, o campo brasileiro, o semiárido no Nordeste, o desenvolvimento e outras concepções que veremos adiante. Como essas ideias se formam nas nossas cabeças, quem nos influencia, porque temos ideias parecidas com as de outras pessoas e ideias diferentes! O texto quer contribuir com essas questões.

O leitor ou leitora pode acompanhar o texto observando em si mesmo a origem e a evolução de suas ideias e concepções. De quem você recebeu influência! Lembra-se do seu tempo de criança, quem tomou de conta de você! O que essa pessoa lhe transmitia de segurança, de medo, de afeto, de raiva! Quando foi crescendo, com quem você passou a conviver! Lembra o que essas pessoas diziam, falavam e passavam para você! E depois na escola, na vida adulta!

E seus heróis, seus gostos preferidos, as novelas, os programas, os livros, os professores, o ambiente de trabalho, a vida social, a vida amorosa, o casamento, os filhos, o médico da família, as revistas, as amigas e os amigos com quem você saía! Os autores que você já leu e estudou, as pregações religiosas que já escutou! E os traumas e decepções sofridas na vida! E os sucessos! Como é amplo o leque de influências que sofremos!

No meio de tantas pessoas, fatos, experiências há algumas que marcam de forma mais determinante. Sobre essas é que o texto vai tratar. Quanto mais você se apropria desses elementos determinantes mais condições você passa a ter de formar suas próprias concepções, de construir sua concepção de Educação do Campo, de escolher a filosofia de vida que pretende. Vamos distinguir esses elementos, mas na prática e na vida eles atuam de forma interligada.

1.2.A INFLUÊNCIA DA CULTURA NA VIDA DAS PESSOAS

O que faz um carioca gostar de samba, um pernambucano de frevo, um paraense de carimbó e um nordestino de forró! O que faz um chinês comer escorpião, cobra, cachorro e um brasileiro ter ojeriza só de pensar nessas coisas! O que faz um gaúcho deliciar-se com um vinho e um mineiro com a cachaça! Essas perguntas podem ser feitas sobre muitas situações, povos, nações. Há sempre particularidades, preferências em uma cultura diferente de outra.

A resposta a essas perguntas tem um elemento comum. Dizemos que é a cultura de cada lugar, de cada época. As pessoas já nascem dentro dela, não escolhem, já nascem com certo gosto, certa tendência, certa preferência no ritmo, na música, na alimentação, nos hábitos, nas relações sociais. Já fica fazendo parte da personalidade das pessoas, como se fosse um DNA social, que as pessoas trazem do berço, da família, da infância.

A cultura é transmitida de forma espontânea. Pode também ser transmitida de forma consciente, programada, sistematizada. Mas o comum é as pessoas serem influenciadas de forma espontânea, na convivência do dia-a-dia da família, do trabalho, da sociedade. Se um inglês quiser dançar samba, frevo, carimbó aí é diferente, não vai ser de forma espontânea. Ele vai precisar estudar e aprender o ritmo, os passos, adaptar seu corpo à ginga brasileira.

A cultura passa de uma geração para outra se apoiando em algumas instituições sociais, entre essas, as mais significativas são: a família, a escola, a religião e os meios de comunicaçãosocial. Essas instituições reproduzem os valores, os gostos, os costumes, as preferências da cultura. Reproduzem, inclusive, de forma também espontânea, sem precisar pensar que estão reproduzindo. E assim vão legitimando, reforçando, reconhecendo a cultura onde estão.

A cultura funciona nas pessoas como se fosse um inconsciente coletivo, vem a tona sem você  chamar ou despertar ou se esforçar para ela vir para um estágio de consciência. Ela determina pensamentos, costumes, posturas, reações sem nos darmos conta. Assim, ela transmite as concepções que estão subjacentes e nos apropriamos pensando que as formamos e construímos. Porém, é comum acontecer que simplesmente herdamos de outros, do meio, da mídia!


São inúmeros os fatores que contribuem para a formação de uma cultura: clima, relevo, história social e pessoal, família, meio ambiente, interesses de classes sociais, formas de governo, religião, mídia, escola, produção etc. A relação das pessoas com a cultura também não é única, ela varia de pessoa para pessoa, de grupo para grupo, de classe social para classe social. Tem quem a aceite, tem que a critique, quem se revolte, quem queira mudá-la.

Ela tem forte influência, é determinante na vida e no pensamento das pessoas, mas não é fatalista, nem implacável. É também influenciada e está em contínuo movimento. Dentro dela estão os interesses, os conflitos, os grupos que dominam e os que se subordinam, estão os partidos, as igrejas, os donos dos meios de produção e os que só vendem sua força de trabalho. Ela parece com um caldeirão fervendo e é também um espaço de disputa.

Porém, mesmo assim, ela tem a sua força de influenciar as concepções, os costumes, as opções de vida. Para fazer escolhas próprias, definir concepções de vida, assumir de forma consciente suas posturas as pessoas precisam de um esforço pessoal. Pensar a Educação do Campo exige esse esforço pessoal em distinguir o que estamos reproduzindo da estrutura escolar, da cultura divulgada pela escola e do que de fato constitui a Educação do Campo.

1.3.A INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO NA VIDA DAS PESSOAS.

As pessoas quando começam a ir para a escola desenvolvem diversas intenções em relação à cultura. Se for uma família que goza do acesso e das oportunidades da cultura, como trabalho, lazer, posição social, habitação, turismo, tradição e prestígio social, o filho vai estudar para manter o acesso, garantir e ampliar as oportunidades. Vai ser sempre cobrado para conseguir esses resultados na escola, na universidade, na pós-graduação, no trabalho, na vida social.

 Se for uma família que não tem acesso e oportunidade na cultura vai estudar para conseguir chegar a essas oportunidades. Vai ascender socialmente. Os avós eram pobres, os pais melhoraram um pouco de vida e agora querem ver seus filhos melhores ainda. Para isso precisam estudar, formar-se, ter um bom emprego ou trabalho e continuar ampliando esses bens para as gerações futuras. E assim, reforçam, reproduzem, ampliam os valores da cultura onde vivem.

Assim, pobres e ricos, letrados e iletrados, negros e brancos, homens e mulheres, trabalhadores e patrões partilham da mesma cultura, de suas crenças, de seus valores. Eleitores e candidatos, partidos diferentes desenvolvem a mesma tática e estratégia de voto nas campanhas eleitorais. Todos correm atrás dos mesmos objetivos, que coincidem com os objetivos dominantes ou predominantes na cultura e nas suas instituições. Ser diferente é exceção!

Evidente que existem nuances, flexibilidade, diferença e diversidade nesse processo. Mas os traços comuns predominam. O pobre se esforça para conquistar os espaços e as oportunidades que só o rico tem, põe seu filho na escola sonhando com as oportunidades que poderá ter. São os mesmos bens de consumo que alimentam a fantasia de um e de outro, do que tem e do que sonha em ter. Portanto, os valores que orientam a vida e as escolhas são os mesmos.

Com essa reflexão podemos ver que o estudo, a escola, a universidade, o conhecimento, a ascensão social não mudam cultura, nem concepções, pelo contrário, reforçam, garantem, ampliam.  Os estudantes que até hoje estudaram nas escolas do campo estão nessa mesma cultura, dos mais afastados das cidades aos mais próximos. A todos foi repassada essa cultura dominante pelos pais, parentes, amigos, escola, igrejas e os meios de comunicação.

As crianças do campo desde cedo viram seus parentes mais velhos irem para São Paulo a procura de trabalho. Viam um irmão, primo ou cunhado chegarem e levarem outro colega. Sentiam que depois de completar 18 anos era mais comum viajar. Os pais adultos e desde criança viam o mesmo cenário e colocavam seus filhos na escola para fazer o mesmo. Se não para São Paulo, pelos menos para um local mais desenvolvido ou uma fronteira agrícola nova.

Os meninos, sobretudo, cresciam com essa expectativa e até mesmo uma cobrança. Na escola a professora reforçava mais ainda esse destino com o mais tradicional argumento “menino tu estudas, se não vais ficar feito teu pai, no cabo da enxada!” Eles aprendiam muito bem essa lição, que ficava na inteligência, nos sentimentos e no inconsciente coletivo. Isto é: ficava na cultura determinando o que o jovem deveria pensar sobre sua vida e seu futuro.

Crescer e abandonar a vida do campo, o “cabo da enxada”, símbolo da pobreza, estigma para quem não ousava sair do campo, destino para os alunos menos inteligentes. Era como se o jovem tivesse que provar que aprendeu a lição, que virou homem, dono do seu destino! Se não fosse para a cidade, para outro lugar mais rico era como se não tivesse virado homem ou como se não quisesse se promover na vida. As meninas e moças aprenderam essa lição!

É assim que a cultura se reproduz no campo, com os mesmos valores, crenças e objetivos de vida de quem vive na cidade. Os valores que predominam na cidade se espalham e passam a predominar no campo. Os estudantes do campo não mudaram esses valores porque estudaram, nem porque foram para a universidade ou para a cidade. Continuaram pensando a mesma coisa e tendo as mesmas concepções sobre o campo, sobre a vida, sobre o trabalho.

Quem saiu e quem ficou, quem estudou e quem não estudou, quem se tornou rico ou permaneceu pobre, com algumas nuances, ficou com as mesmas concepções. Ou seja, interpreta o mundo, o trabalho, os desejos, as relações sociais, a família, a infância, a juventude, a história com os mesmos critérios, princípios, valores. Pois não saíram da cultura, permaneceram nela, mesmo que mais instruídos, mais modernizados, computadorizados!

As pessoas do campo que tiveram a oportunidade de vir para a cidade, se promover e voltar a ensinar no campo reproduzem os mesmos valores, as mesmas crenças para os novos estudantes e dão seu próprio exemplo de como conseguiram “ser gente”, “crescer na vida”. Assim também os novos matriculados deverão também fazer se quiserem ser gente! Estão no campo para divulgar os valores da cultura, onde a cidade predomina.

Eis a questão chave da Educação do Campo, educar para qual cultura! Para quais valores! Para quais crenças! Quais objetivos! Transmitindo só conhecimento, por mais técnico e moderno que seja não vai produzir mudança de cultura. Precisa muito mais do que conhecimento, do que educação escolar. Precisa reconstruir outros paradigmas, revisar as concepções que determinam a vida das pessoas. É o que veremos no capítulo adiante.

1.4.A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA NA VIDA DAS PESSOAS

Nos itens anteriores deu para perceber o quanto as pessoas se equivocam em pensar que suas ideias são próprias! A grande maioria delas recebeu de outras pessoas, grupos, instituições e as acolheram de maneira espontânea, sem perceber que estavam acolhendo. Foram passadas pela família, pela escola, pelo trabalho, pela universidade, pela mídia, pela igreja e assim foram absorvidas. Muitas vezes, com reservas, restrições, críticas e revoltas.

Mesmo assim, na história, sempre houve pessoas que não acolheram as concepções, os valores que a cultura sugeria para as suas vidas. Uma vez adultas, refletindo, estudando, pesquisando, atuando na vida social, lendo autores diferentes interagem com a própria cultura e constroem suas próprias concepções, baseados em outros valores diferentes, às vezes, contrários e até mesmo antagônicos aos transmitidos pelas instituições e a cultura.

Pensar, fazer Educação do Campo supõe um processo como esse, uma superação ou uma libertação dos paradigmas transmitidos pela cultura dominante, em outras palavras, supõe a desconstrução de conhecimentos, de valores, de eventuais preconceitos e a reconstrução de outros princípios, de outras maneiras de conceber o mundo, a história, as pessoas, a natureza, a educação, a escola, o país, a política, o estado, o campo, as gerações etc.

O discurso das ciências fala muito de Paradigmas. Paradigmas, parâmetros são como guias, roteiros, mapas que usamos para nos guiar na vida ou meios que usamos para dar sentido à vida e ao mundo. Ninguém de bom senso vive sem paradigmas, quer os tenha de maneira espontânea, quer os tenha de maneira sistemática, consciente, refletida. Os paradigmas em geral respondem a perguntas tipo PARA QUE, POR QUE, ou seja, os fins e os motivos.

Quando o autor escreve que esse livro é, sobretudo, de Filosofia quer dizer que vai tratar primeiro dos Paradigmas, das Concepções, dos Significados que as pessoas usam para explicar o mundo, a realidade, a vida, os valores. Construir novas concepções não depende de conhecimentos técnicos e científicos. A pessoa pode ter doutorado e permanecer com os mesmos paradigmas que a cultura lhe transmitiu. Não foi capaz de descontruir e reconstruir.

O inverso também é verdadeiro, a pessoa pode ser analfabeta, mas em termos de filosofia, de concepção pode explicar o significado da vida tão bem como um estudioso. Não é, portanto, uma questão de ciência, de conhecimento científico e sim de conhecimento filosófico. Filosofia é uma área de conhecimento que desde o início da Idade Moderna – séculos XVI e XVII foi desprezada pela ciência. A ciência não quis mais saber de filosofia.

Como a filosofia tratava das concepções das pessoas sobre a realidade, os mestres da ciência (René Descartes, Francis Bacan, Galileo Galilei) e tantos outros seguidores temiam que a filosofia pudesse atrapalhar a ciência, que deveria ser universal e valer para todas as pessoas. A base deveria ser como a matemática. Como chegar a uma ciência se ela for contaminada por opiniões de cada pessoa! Se alguém quiser alcançar a verdade não é pela filosofia!

Houve uma verdadeira guerra nas ideias e pensamentos dos séculos seguintes da ciência contra a filosofia. A ciência reivindicava para ela um status de verdade que a filosofia não tinha. Para isso a ciência não queria mistura com filosofia, nem com as realidades dependentes de opinião própria, tais como a subjetividade das pessoas, a arte, a cultura de cada povo, a religião, o cotidiano da vida. Tudo o que pudesse variar fazia medo a ciência.

Para a ciência o conhecimento verdadeiro tinha que valer para o europeu, o japonês, o índio, o negro, o branco, o pobre, o rico. Ou seja, tinha que ser verdade para todo o mundo e tinha que ser neutra, não podia se misturar, tomar partido entre as concepções e debates filosóficos e ideológicos, nem muito menos com as influências culturais de cada país, cada religião. Esse tempo foi o da descoberta de culturas e civilizações diferentes da européia.

O capitalismo adorou essa concepção de conhecimento! Porque agora ele poderia crescer, dominar o mundo todo sem que tivesse de dar satisfação a valores, a concepções, a filosofia.   Poderia colonizar a América Latina e explorar os índios, colonizar a África e escravizar os negros, destruir o meio ambiente, explorar os trabalhadores, apropriar-se dos bens de produção sem ter o controle social da filosofia, das ideologias, das concepções.

Estava solto no mundo para fazer o que desse lucro, progresso, vantagens econômicas! Pois não tinha ninguém lhe atanazando, lhe questionando sobre os fins e os objetivos da vida. Em qualquer cultura, civilização, país que chegasse poderia se impor como o melhor sistema político e econômico. Se fosse questionado sobre seus métodos logo se defendia dizendo que as críticas eram de ideologias, de filosofia, de concepções contrárias ao desenvolvimento.

Qual o resultado de tal raciocínio! É que esse jeito de conceber a ciência é também um tipo de filosofia, uma maneira de conceber o conhecimento humano, melhor dizendo, os conhecimentos humanos, pois a ciência é apenas uma forma de conhecimento. Existem diversas outras formas de conhecimento: o popular, o mitológico, o artístico, o intuitivo, o espiritual, o prático do senso comum, o filosófico, o teológico. Mas para a ciência só o dela é verdadeiro!

“O tiro saiu pela culatra”, a ciência “deu um tiro no próprio pé”! Pensando que não fazia filosofia terminou construindo uma filosofia da ciência, ou seja, uma maneira de conceber e interpretar o conhecimento humano, tanto a ciência como outras formas de conhecimento. Mas não parou aí, construiu também uma filosofia da história, ou seja, uma maneira de interpretar o destino da humanidade, o percurso feito até os tempos atuais como o destino futuro.

Construiu ainda uma filosofia da pessoa, uma antropologia, ou seja, uma concepção de homem e de mulher, de suas relações, de seus papéis, de seus valores. Como consequência foi criando outras filosofias, como a Cosmologia, ou seja, uma concepção de mundo, de universo, do meio ambiente, da criação e do destino do mundo. Uma Filosofia da Educação, ou seja, uma concepção sobre quais são os fins da educação, para que se aprende e se ensina.

Criou também uma filosofia dos valores, uma ética, ou seja, uma maneira de conceber, escolher os valores que determinam a convivência das pessoas no planeta. Criou uma filosofia do belo, uma estética, ou seja, uma maneira de conceber a beleza, o bem estar, a apresentação do corpo humano, a moda, o marketing. Como uma concepção nunca é isolada, sempre está relacionada com outras, a ciência e o capitalismo construíram todo um sistema de concepções.

E assim foram construindo outras filosofias, da saúde, do trabalho, do direito, da política, da economia, do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, da comunicação, da cidade, do campo. Nos mais diversos campos da atividade humana, o uso da ciência vem sempre acoplado, integrado com as concepções filosóficas e são essas que determinam o comportamento humano mais do que a própria ciência.

Portanto, não há ciência neutra, na história ela sempre tomou posição ou foi aplicada favorecendo colonizadores e desfavorecendo colonizados, favorecendo os países e grupos ricos e desfavorecendo pobres, favorecendo um grupo étnico e desfavorecendo outro, selecionando currículos escolares e acadêmicos favorecendo classes sociais dominantes e desfavorecendo outras subordinadas, contando os feitos heroicos de um grupo e escondendo de outros.

Para pensar Educação do Campo (EC) é necessário perceber não só o que a cultura dominante determinou para o campo brasileiro, como o que a filosofia, as concepções explicam, interpretam o campo, seu papel, sua história, seus cenários futuros, o papel de seus protagonistas no passado e no presente globalizado. Na interpretação, nos significados que se tem sobre o campo é que estão os equívocos da educação que se realizou até agora.

Dizendo de outra forma, o Agrônomo, o Veterinário, o Zootecnista,  Engenheiro Florestal, o Extensionista Rural, o Técnico Agrícola se relacionam com campo diferente dos trabalhadores rurais, dos agricultores familiares, dos pescadores em termos de conhecimento. Todos têm conhecimentos diferenciados, mas na hora de interpretar o campo, os valores, o desenvolvimento usam as mesmas concepções que a cultura lhes proporcionou.

Pois a Academia fez sempre questão de ser a herdeira fiel do método científico que rejeitou refletir sobre filosofia, de compreender filosoficamente o campo e a realidade do entorno. Achou sempre que quem muda o mundo é a ciência e não a filosofia. “Filosofia é opinião... é conversa de intelectual”! Quem quiser ser Mestre, Doutor, Pós-doutor tem que confessar ainda mais do que os graduados esse credo e esse dogma! E assim se reproduzem os valores!

Essa história de filosofia, de ideologia, de concepções a academia deixou para aquele grupo minoritário de estudantes que atuavam nos Diretórios Acadêmicos, para os Movimentos Sociais, para as Pastorais das Igrejas, para os Movimentos Sociais e Populares do Campo!Esses sempre prezaram pela filosofia, de forma mais ou menos sistemática. A Educação Popular foi toda construída a partir de concepções, de filosofia, de ideologia.

Não tiveram medo, nem alimentaram suspeita sobre a filosofia, pois sentiam que para mudar a realidade, sem o peso forte da filosofia não mudariam. As chances de estudar, refletir, parar para teorizar eram raras e benvindas! O tempo, as condições, os assessores é que eram poucos e insuficientes. A dedicação quase sempre era voluntária, o período era nos finais de semana ou a noite depois de um dia de trabalho, às vezes estafante!

Esse livro tentará mostrar que para pensar a Educação do Campo as pessoas e as instituições precisam ter de forma explícita e clara o debate filosófico, a questão dos valores, das concepções de educação, de campo, de cidade, de desenvolvimento. Tudo o mais é sequência, é debate sobre o como fazer, como financiar, como capacitar professores, como gerir a escola e o sistema de ensino, distribuir responsabilidades e tarefas entre os protagonistas.
Próximo capitulo: Concepções de Campo