quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A QUESTÃO FILOSÓFICA DA METODOLOGIA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO


 A QUESTÃO DO MÉTODO NA PEADS
TEXTO 05 – CURSO DE CERTIFICAÇÃO DA PEADS
NOVEMBRO DE 2011.
 
 
 Abdalaziz de Moura

  1. Introdução

1.1.Mais de uma vez já escrevemos que na Peads – Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável quando falamos de Metodologia, de Método estamos falando de filosofia, de concepção filosófica e não de ciência. Chegou o momento de nos determos mais sobre essa questão. É o objetivo desse texto.

1.2.Vale a pena refletir porque os termos Método e Metodologia são usados para significar realidades diferentes. Há quem use para significar modo, jeito, dinâmica, técnica para executar um trabalho. Há também quem use para explicar etapas, fases ou passos a serem dados para um serviço ser bem e corretamente realizado.

1.3.Assim fala-se em Metodologia do Estudo, a maneira de aproveitar bem uma leitura, como é a melhor forma de fazer anotações, de aproveitar o tempo, de memorizar, de lidar com os autores e os livros. A Academia usa muito no sentido da Metodologia para elaboração de trabalho científico, monografia, dissertação e tese.

1.4.A Academia usa também no sentido da Metodologia Científica. Refere-se ao método com o qual a ciência é construída e desenvolvida. As etapas a serem seguidas, as normas a serem obedecidas, a maneira de preparar e aplicar uma pesquisa, de tratar os dados e informações. As formas de apresentação do trabalho, de citar os autores e etc.

1.5.O uso da mesma palavra para significar tantas coisas diferentes pode confundir as pessoas e os significados que querem dar e até as ações que pretendem executar. No caso da Peads esse equívoco é certamente o mais fácil de cometer. O educador ou educadora confundir metodologia com técnica ou as etapas da metodologia, sem perceber o sentido filosófico.

  1. Situando a questão na história do autor

2.1.Para explicitar essa questão precisamos de algumas referências históricas, de uma aproximação com o contexto em que o autor foi se inspirar, beber na fonte. Vamos remontar ao final da segunda guerra mundial. O antes e o depois da guerra é referência para entender muitas coisas da filosofia, da ciência, da política, da economia.

2.2.Quando terminou a segunda guerra, começou logo outra, só que dessa vez, de forma diferente. Era a chamada guerra fria, que já vinha embutida na anterior. Era a guerra entre o Capitalismo e o Comunismo, liderada pelos Estados Unidos da América e a Rússia. Cada lado que se apresentasse como santo e o adversário como satanás.


2.3.Cada grupo desses que lutasse para ver quem chegaria primeiro a Alemanha e quem mais território alemão ocupasse. A partir de aonde chegassem iriam negociar entre vencedores e vencidos o raio de suas influências. Assim, os EUA e a URSS dividiram o resto do mundo para liderar.

2.4.Os EUA ficaram com o lado ocidental da Europa e a URSS com o lado oriental e o divisor do território seria a Alemanha derrotada. Do lado da URSS ficaram a Hungria, a Polônia, a Tchecoslováquia, a Yugoslávia, a Romênia, a Albânia, a Lituânia, a Letônia. Do lado dos EUA ficaram os países mais conhecidos: Inglaterra, França, Itália, Holanda.

2.5.A partir de então, cada lado que procurasse fortalecer mais seus pontos de vista, suas concepções de desenvolvimento, de economia, de sociedade, de ciência e passasse a se armar com as armas mais sofisticadas e alcance mais mortal. Foi o período da proliferação das armas nucleares que durou até o ano de 1989, data da criação do Serta.

2.6.O restante do mundo em fase de subdesenvolvimento (América Latina e parte da Ásia) ou ainda de colonialismo (quase toda África) ficou sob a liderança desses dois lados. Esses eram considerados referências, modelos a serem seguidos ou inspiradores do restante. O peso da influência era tanto que não havia chance para meio termo, ou era do lado do EUA ou URSS.

2.7.Cada bloco desses que cuidasse de fazer a sua propaganda, de alijar dirigentes, intelectuais, instituições, escritores, forças armadas. Patrocinavam revistas, editoras, davam bolsa de estudo, faziam intercâmbio, propaganda e contrapropaganda. Mantinham polícia secreta, serviço de espionagem e forneciam armamentos, apoio logístico para quem quisesse seguir o modelo.

2.8.O autor desse texto viveu sua adolescência no auge dessa guerra e sua juventude no debate desses modelos. Os meios universitários e os ambientes operários viviam uma efervescência de mudança. Os camponeses também começavam a organizar as Ligas Camponesas e depois os sindicatos. Os partidos políticos eram disputados pelas duas tendências.

2.9.Quem quisesse procurar um caminho próprio corria o risco de ser empurrado para o lado oposto, como quem não tivesse coragem de optar e quisesse ficar disfarçadamente sem assumir as conseqüências da escolha. Havia dos dois lados um patrulhamento ideológico para evitar desvio ideológico.

2.10.      Mesmo assim não faltaram pessoas, grupos e instituições que tentavam observar o mundo e a história a partir de outras óticas. Foi criado o termo de “Terceiro Mundo” para mostrar que a divisão não era só essa no mundo. Existiam outras divisões maiores e mais arriscadas ainda, que poderiam também gerar guerras, comoções sociais.

2.11.      Entre essas divisões, uma das mais fortes era entre os “Ricos cada vez mais ricos e os Pobres cada vez mais pobres”! Vinte por cento da humanidade usando oitenta por cento dos recursos da terra! O apartheid entre negros e brancos. Gandhi, Dom Helder, Mandela, Martin Lutero Kings, Armatia Sen, João XXIII e muitos outros líderes buscavam mostrar essas outras divisões.

2.12.      Essas outras divisões trouxeram, no entanto, de forma ainda mais acentuada, a necessidade de cada país do terceiro mundo pensar o seu desenvolvimento, a superação da miséria e da fome. Mesmo disputando os modelos existentes e as concepções de desenvolvimento. A vida do autor foi perpassada por todo esse contexto.

  1. A emergência da China
 3.1.Hoje em todos os lugares se fala da China com serenidade. Mas houve um tempo que quem falasse da China, em conhecer a China, em viajar, em comercializar com a China, aprender sua língua era visto sob suspeita. China rimava com perigo, subversão, comunismo, risco para o Brasil. O EUA não queria ver nenhum país aliado seu negociando com a China.

3.2.A China, país mais populoso do mundo, ficou e seguiu a influência da URSS. Seu líder principal Mao Tse Tung conduziu a revolução socialista e teve todo apoio da URSS, deixando os EUA e o ocidente temeroso. Na década de 60 a China dispensou o apoio da URSS para procurar seu próprio caminho.

3.3.Essa atitude deu o que pensar para os demais países. Despertou mais curiosidade para conhecer a China. Como um país economicamente tão pobre passa a ocupar um cenário tão promissor. O que a China representa hoje vem sendo a continuidade, o reconhecimento, a legitimação pelo resto do mundo de que é possível encontrar outros caminhos.

3.4.Uma das coisas que se divulgou fora da China foi o método usado por Mao Tse Tung, com a difusão de seus livros. Durante muito tempo no Brasil seus livros eram totalmente proibidos pelo governo militar. Mas chegavam de outros países e em outras línguas. Qual o interesse no seu método!

3.5.Porque o método inspirado na revolução russa estava sem prestígio. Não representava mais tanto interesse como antes e o método de Mao, mesmo marxista, socialista teve uma diferença. Vamos entender melhor essa diferença para ver o que tem a ver com o nosso estudo da Peads.

3.6.Lenin, grande líder da revolução russa em 1917 partia de uma concepção que os intelectuais que tiveram chance de dominar o conhecimento, a história, a filosofia, a política, a economia eram os que poderiam orientar a classe trabalhadora a fazer a revolução.

3.7.Em outras palavras, eles sabiam e a classe trabalhadora não! O que faltava então! Faltava ensinar, orientar, dirigir a classe trabalhadora, que por sinal, na Rússia, era formada na maior parte por camponeses. Lenin, como Marx e os comunistas ortodoxos pensavam que quem ia fazer a revolução comunista seriam os operários da Alemanha, Inglaterra.

3.8.Os intelectuais tinham a grande tarefa de ensinar, porque os operários e camponeses sofriam com a dura realidade que viviam, mas que não sabiam interpretar as causas que provocaram essa situação. Os intelectuais seriam então os interpretes, os analistas, ou seja, os protagonistas principais, condutores das massas oprimidas.

3.9.Com Mao esse pensamento e prática mudaram. Para esse, os intelectuais tem um papel importante, mas os protagonistas principais das mudanças e da revolução são as massas. Elas são capazes de se tornarem capacitadas! O que falta para esse avanço! Um método! Um método para que as massas assumam esse papel de sujeito.

3.10.      Mao criou então o método conhecido como “linha demassa”. Na década de 60, 70 esse método circulou nos meios operários, camponeses, sindicais, religiosos, como uma referência para quem queria ver uma realidade transformada, um país desenvolvido, uma sociedade mais justa.

3.11.      Para muitos cristãos que atuavam nas pastorais das igrejas, para militantes dos movimentos sociais, esgotados com a influência da revolução russa, esse método possibilitava uma síntese com seus valores e crenças. Não precisava deixar de ser cristão para usar esse método.

3.12.      Os cristãos tiveram depois problemas com suas igrejas por conta de que o método ia muito além das tarefas de evangelizar, conscientizar, seguir a orientação eclesiástica, como se fazia na Ação Católica com o método Ver, Julgar e Agir. Para muitos militantes, o método de Linha de Massa completava esse e não se opunha.

  1. Elementos principais do método e articulação com a cultura

4.1.O fundamental é que esse método parte de uma concepção sobre o papel do povo e das massas, ou seja, dos sujeitos sociais das mudanças da realidade. O povo não é objeto, e sim sujeito das transformações sociais. Usar uma metodologia ou um método é desenvolver ou aplicar uma concepção filosófica.

4.2.Essa mudança é muito mais radical do que se imagina. Ela encontra eco na Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. O educador não pode ser “bancário”, autoritário, nem espontaneísta. Ou seja, ele não pode praticar a “invasão cultural”, invadir a cultura do educando, negar a desse e tratar como se fosse uma tabula rasa, sem conhecimento ou experiência.

4.3.A submissão cultural” também deve ser evitada. Ou seja, o educador não deve permanecer no nível do conhecimento do aluno, ou aceitar só o que o povo tem, pensa. Como educador ele tem que ajudar o educando a superar-se, a ir além do que foi capaz até aí. É um desdobramento do que Vigotsky prenunciou. É preciso elevar o patamar do conhecimento.

4.4.Se ficar só no nível das massas ou do educando, o educador estará sendo esponteneísta, achando que o educando por si só será capaz de se auto-organizar-se, de evoluir no conhecimento sem a ajuda do educador. Para ser democrático, o educador assume seu papel e faz a “síntesecultural”. Vejamos com mais detalhe.

  1. Os elementos filosóficos e ideológicos do método

5.1.Conforme o educador aplique uma das três atitudes: invasão, submissão e síntese, o que muda fundamentalmente são as concepções que embasam a escolha. Pode aparecer sutil, mas não é. As concepções implicam posturas, seleção de conteúdos, didáticas, técnicas diferentes. Ás vezes, as técnicas e as didáticas podem até se assemelharem.

5.2.Por exemplo, pesquisa ou devolução de informações todo mundo faz ou pode fazer. Inclusive pode até fazer melhor, com técnicas mais modernas e aperfeiçoadas, no computador. A diferença vai se apresentar na hora da participação dos sujeitos, das decisões sobre as informações colhidas, no destino e uso dos dados e no objetivo e interação com a metodologia.

5.3.Daí, a dificuldade de muitos educadores pensarem que estão aplicando a Peads só porque aplicam uma de suas técnicas ou desenvolvem alguns elementos didáticos. Daí também a tentação de pensar que pode se apropriar da metodologia porque tem domínio sobre pesquisa na academia.

5.4.O método parte da concepção filosófica que o povo e o educando são capazes de aprender e de que o educador, monitor, animador tem um papel fundamental no desenvolvimento da aprendizagem. Dominar bem o método é a tarefa principal do educador, pois tendo o domínio, ele sabe situar em qualquer contexto.

5.5.Para o método, a realidade não é só o que se vê, se observa, se pesquisa. A realidade é composta dessa parte e mais a percepção que as pessoas, o povo e os educandos têm dessa realidade pesquisada. A realidade é, portanto, a soma e a integração da realidade objetiva e mais a percepção que se tem dessa realidade objetiva.


  1. Influência do método na Peads

6.1.Já escrevemos e repetimos se a Peads tem uma originalidade é essa capacidade de trazer da experiência política elementos para dentro da educação escolar. Fazer a transposição com as devidas interações sem reduzir a pedagogia à política, mas também reconhecendo que sem filosofia não há pedagogia.

6.2.Esses elementos são fortes e interpenetram a Educação Popular que a Peads trouxe para dentro da escola regular, para a Assistência Técnica, para a animação do desenvolvimento. Vejamos exemplos mais tangíveis do que é essa transposição, sempre cuidadosa, para não gerar mera cópia ou reprodução.

6.3.No método da Linha de Massa se diz que é fundamental partir das necessidades imediatas das massas, a Peads diz que é fundamental partir das necessidades dos educandos. Em outras palavras, partir do nível, da experiência, do conhecimento que os educandos têm. Essas necessidades podem ser econômicas, culturais, históricas, sociais. O que o método sugere!

6.4.Incorporar dentro dessas necessidades a luta política, ou seja, desde o inicio, o educador ter consciência que não está lidando só com uma necessidade imediata, como terra, água, crédito, arte, renda, meio ambiente, escola, transporte. Essas são as mais sentidas, mas além da reflexão imediata e técnica para superar as dificuldades existe uma reflexão política.

6.5.Na Peads nós dizemos que além da pesquisa, dos dados e informações identificadas, precisa fazer uma reflexão pedagógica, uma análise e um desdobramento desses dados iniciais. Na escola, isso se faz através do ensino dos conteúdos disciplinares. Dizemos inclusive, que é bem mais fácil fazer isso na escola do que na política.

6.6.Porque a escola tem um trilho, já tem reconhecimento, legitimidade, estrutura, sistema, avaliação, registro, seriação, financiamento, conteúdos, didáticas. Tudo isso faltava a Mao Tse Tung, foi preciso começar do zero, como a Educação Popular também teve de fazer. Ele conseguiu tudo isso num processo, com sangue, suor, guerra, fome.

6.7.Precisou muito sacrifício para ser reconhecido, legitimado, oficializado. Trabalhou inicialmente na clandestinidade. Hoje a escola pode ter isso e não valoriza, ou seja, não reconhece a importância. A Peads insiste para a Escola valorizar o que tem e o que ainda pode ter a partir do que já tem.

6.8.O método de Linha de Massa também insiste que o papel do animador é ajudar a massa a transformar essa reflexão política em ação. Ela precisa ser sistematizada, arrumada, para ser devolvida para quem a gerou, para quem a produziu. E com o resultado desse novo conhecimento, poder partir para a ação.

6.9.Não se concebe conhecimento construído com o povo sem que sirva para uma ação, ou para aprimorar uma ação. Na Peads integramos essas convicções para o conhecimento produzido na escola. Se os educandos descobrem conhecimentos, informações técnicas porque não aplicar em sua vida, na escola, na comunidade, na família e na propriedade!

6.10.      A formação só se completa se chegar a ação. Se não chegar é porque faltou alguma coisa no processo, a condução não foi correta e não produziu seu efeito desejado. A Peads transporta essa reflexão para a escola na etapa da “Devolução para a ação”. Precisa avaliar se a metodologia foi seguida ou não, corrigir os próximos passos para evitar os erros.

6.11.      Em síntese, outros autores completam, a pesquisa, a ação, precisa ser acompanhada de uma teoria. Essa teoria deve ser iluminada pela prática e essa deve inspirar uma teoria ainda melhor e essa teoria melhorada deve levar a uma ação mais aprimorada ainda e assim sucessivamente. Nada que não se possa aplicar à escola.

6.12.      Ao leitor que pensa que a Peads teve só esse viés na descoberta de sua metodologia sugiro a leitura de meu texto bem anterior a esse “O que eu fiz com a pesquisa e o que a pesquisa fez comigo” no blog mouraserta.blobspot. com, textos sobre pesquisa 2.3.

  1. BIBLIOGRAFIA

A bibliografia desses textos nós tivemos acesso a elas há muito tempo atrás, em diversos textos, documentos, anotações de encontros. Mesmo assim, alguma literatura é possível lembrar.
BASBAUM, Leônicio, “História Sincera da República” - 4 vols. ......
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.) Pesquisa Participante. São Paulo, Brasiliense, terceira Edição, 1983.
HARNECKER, Marta – URIBE, Gabriela - cadernos de educação popular. Global Editora e Distribuidora Ltda. Rua José Antônio Coelho, 814 - Vila Mariana - São Paulo, 1980.
KONDER, Leandro, “Marx, Vida e Obra”, 2ª. ed., Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1974

 “Citações do Presidente Mao Tsé-tung”, José Álvaro, Editor S.A., Rio de Janeiro, 1967
HUBERMAN, Leo, “História da Riqueza do Homem” ......
PANCHO FERRARA, Francisco. Los de La Tierra, de las Ligas Agrárias a los Movimentos Campesinos. Buenos Aires, Tinta Limon Ediciones. 2007.
SANTOS, Carmil Vieira dos, (orgs). Em busca de novos caminhos, Experiências vividas nos anos de chumbo. Porto Alegre: Pacartes 2010.


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