sábado, 9 de abril de 2011

O MASSACRE DOS ESTUDANTES NO RIO DE JANEIRO E A PEADS


O MASSACRE DOS ESTUDANTES NO RIO DE JANEIRO E A PEADS

Esse é o centésimo primeiro (101) texto escrito por Abdalaziz de Moura, Filósofo, Teólogo e Educador do Serta, criador da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável - Peads

Ontem, dia 7 de abril de 2011, enquanto se encerrava a II Jornada Pedagógica de Educação do Campo, realizada no Serta, no campus de Glória do Goitá com mais de 370 professoras, coordenadoras de escola, de secretarias municipais de Educação, o país foi surpreendido com o massacre das adolescentes da Escola Municipal do Rio de Janeiro. Fato que todos pensávamos que acontecia só nos Estados Unidos, agora acontece aqui. A imprensa nacional durante todo o dia de hoje deu cobertura ao fato e tudo indica que por um bom tempo ainda ocupar-se-á desse fato. Qualquer pessoa por menor sensibilidade que tenha chocou-se com o crime e suas características.

Todas as vezes que violências acontecem nas escolas a grita das famílias, das educadoras, das autoridades é por condições de segurança nas escolas. Os parentes das vítimas reivindicam e a população faz coro por mais presença de polícia, mais câmara de filmagens, mais controle dos que entram e dos que saem. Enfim, por condições físicas das e nas escolas, por recursos que chegam de fora para as escolas, de recursos que dependem da decisão de gestores públicos, que não são os da Escola.

Seguem o mesmo padrão das carências da saúde, da pobreza, das questões sociais e financeiras: uma vez o diagnóstico feito, precisa da intervenção de quem está fora, do governo, do dinheiro, do médico, do laboratório, da assistência social e técnica. Ao diagnosticado, seja o indivíduo, seja a comunidade, seja um território resta a esperar a decisão de outros, a boa vontade de outros, superar as exigências da burocracia para receber o tratamento ou a superação do problema.

Esse texto pretende construir outra lógica, outra saída diante dos absurdos da violência, sem negar a importância desses elementos que já são reivindicados pelas vítimas e pela opinião pública. Pretende revelar outros caminhos, outras formas de superação dos problemas, outras pistas que estão ao alcance dos alunos, das educadoras, da gestão das escolas e das famílias, de quem está de dentro e envolvido. Caminhos esses que são mais estruturadores, permanentes, autônomos e dentro da governabilidade dos próprios envolvidos.

São caminhos traçados pelos mais de 370 participantes da jornada apresentados como propostas através dos relatores dos grupos de trabalho, na mesma hora em que o massacre acontecia. Vamos significar esses fatos como aprendizagem para repensar a educação, iluminados pelas luzes que a Peads acende em um momento desses. A Peads é a Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento sustentável [1] criada pelo Serta e aplicada nas escolas públicas do campo em municípios de PE, AL, PB e BA.

  1. Fazer da tragédia uma oportunidade para criar o novo

Se uma professora ou escola aplicar a Peads nas áreas metropolitanas verá logo que a violência, ou seu antídoto a paz é um tema privilegiado para se tornar objeto de pesquisa pela comunidade escolar. Pesquisa que pode ser feita junto aos próprios alunos, nas famílias, nos bairros, setores e segmentos sociais diferentes, como pode ser pesquisa bibliográfica nos livros, jornais e revistas, na TV, na internet. Inúmeros dados estatísticos apareceriam. Nenhum aluno, do ensino infantil ao universitário ficaria sem fontes de pesquisa primária e secundária.

Essa é a primeira evidência que aparece para quem aplica a metodologia. A violência seria objeto de pesquisa, portanto, de construção de conhecimento pelas diversas turmas de sala de aula. Poder-se-ia construir uma ou várias Fichas Pedagógicas[2] com o tema, tal é a quantidade de aspectos que envolve. E poderia fazer fichas para diversas modalidades (Ensino Infantil, primeiros anos do Ensino Fundamental, anos finais, Ensino Médio, Profissional, EJA, Ensino Universitário). A primeira parte é um roteiro para pesquisa, a exemplo de perguntas quantitativas, que podem ser respondidas pelas famílias ou outros sujeitos sociais.

  1. Alguém em sua família já foi vítima de assalto! Quantos!
  2. Na sua rua, você conhece pessoas que já sofreram assalto! Quantas!
  3. Na sua turma (ou escola) há alunos que foram vítimas de violência familiar ou de outras formas!
  4. Na sua comunidade já aconteceu fatos de violência policial! Quantas!
  5. Você tem conhecimento de casos de violência sexual na sua comunidade ou bairro!
  6. Em sua família, alguém já deixou de fazer algo agradável e saudável com medo da violência! Quantas pessoas! Quantas vezes aconteceram!
  7. Você conhece pessoalmente pessoas que sofreram violência por conta do tráfico de drogas!

Essas perguntas são apenas uma ilustração, pode ter muito mais, podem ser mais desdobradas. Queremos dizer que assunto não falta para uma primeira abordagem do tema pelos alunos. O ideal segundo a metodologia da Peadas é que nesse primeiro momento ou primeira etapa da metodologia as perguntas sejam quantitativas, observáveis, mensuráveis. Não devem ser perguntas de opinião, de apontar causas ou conseqüências da violência. Perguntas dessa natureza serão formuladas na segunda etapa da metodologia.

As pesquisas podem ser feitas através de diversas dinâmicas ou técnicas (questionário fechado, aberto, entrevista livre, grupo focal, história de vida) e maneiras. Pode fazer uma pergunta de cada vez e trazer para a sala de aula, ou pode fazer o conjunto de perguntas e trazer as respostas do conjunto para a sala de aula. Pode fazer só nas residências dos alunos, sobretudo, na educação infantil e primeiros anos, como pode fazer numa rua inteira, ou pode fazer com um segmento específico (jovens, mulheres), ou num setor geográfico determinado.

Uma vez os alunos motivados, as professoras tendo planejado, os alunos fazendo as pesquisas, os envolvidos na pesquisa começam a fazer muitas perguntas. O que a Escola pretende com essa pesquisa, com esses assuntos! Porque será que resolveu estudar essa temática para levar para a sala de aula! Os alunos também se perguntarão, como as professoras também vão estranhar esse tipo de abordagem do tema. Mas, com esse sinal a escola estará dizendo para todos que essa questão é importante e precisa ser objeto de conhecimento dos alunos e das famílias, como da ação de todos.

  1. O que fazer com os resultados da Pesquisa

Fazer pesquisa desse porte com outros atores sociais não é uma pura técnica de aprendizagem. É muito mais que uma didática. É uma filosofia. Isto é, se faz pesquisa, porque se acredita que os alunos e a comunidade são capazes de produzir conhecimento. Porque se acredita que todas as pessoas têm um conhecimento prévio, uma vivência com o problema, porque as pessoas não são tabula rasa, nem a escola tem tudo sozinha para ensinar. Porque se acredita que a escola precisa construir conhecimentos sobre a realidade. Porque se acredita que as pessoas podem transformar a realidade e para isso precisam conhecer bem, com os instrumentos adequados de produção de conhecimento.

Com as respostas dessas ou de outras perguntas, as professoras poderão desdobrar os dados através do ensino da matemática, linguagem, leitura, escrita, geografia, história, ciências sociais e naturais, cidadania e direito. Aqui caberia a formulação de novas perguntas, dessa vez, podendo conter elementos qualitativos, opiniões de autores, pesquisadores, estudiosos, como de pessoas do bairro, busca na internet, nas delegacias, e, sobretudo, dos próprios alunos que podem fazer trabalho de grupo, textos, poesias, músicas, paródias, desenhos, planilhas, gráficos e assim, ir construindo produtos de conhecimentos.

Não vou detalhar no momento, remeto aos textos do meu blog mouraserta@blogspot.com  ou do site www.serta.org.br que já contém 100 textos sobre essas questões. Esse é o centésimo primeiro. O leitor pode ler os textos sobre as Fichas Pedagógicas, mesmo sobre outras temáticas, essas fichas são ilustrativas para desenvolver outras temáticas. Há uma infinidade de sugestões de técnicas e dinâmicas para elevar o patamar da discussão com os alunos, articulando sempre com as disciplinas ensinadas na série.




  1. Culminando os conhecimentos produzidos

Estudo dentro dessa metodologia pode durar um bimestre, um semestre ou mesmo um ano, pois podem desdobrar-se em outros subtemas, como podem se distribuir por modalidades, turnos ou séries. Um grupo aprofunda a violência do crime, outro a violência doméstica, outro a violência do trânsito, outro a violência sexual, outro a violência do tráfico de drogas, outro a violência da fome, outro a violência contra a natureza e o meio ambiente e etc. Ou podem aprofundar resultados nas crianças, ou os impactos na saúde, na educação, no lazer...

Em qualquer direção, os alunos podem elevar o nível de conhecimento dos problemas identificados. O mesmo que dissemos com a primeira etapa da pesquisa, pode-se dizer com a segunda. Não se trata de uma mera didática para facilitar a aprendizagem, trata-se de uma metodologia, de uma filosofia, que considera o conhecimento como um valor a serviço das pessoas e das comunidades, que considera a aprendizagem como uma construção pessoal e ao mesmo tempo grupal e coletiva. E os alunos devem entender e comprovar essas crenças e valores.

  1. Apresentando em forma de devolução para as famílias os dados da pesquisa

Os alunos devem ter a oportunidade de comprovar para si mesmos, para suas educadoras e gestoras de suas escolas que aprenderam com essa metodologia, com essas dinâmicas. Inclusive, é oportuno que usem outras linguagens para verificar se de fato apropriaram-se dos conhecimentos, das alternativas e pistas para a solução dos problemas. Para essa tarefa a metodologia sugere que os alunos usem recursos culturais, artísticos, visuais, sonoros para apresentar às famílias e comunidade o que foram capazes de construir com as pesquisas que aplicaram.

Para esse momento, a Escola prepara uma grande assembléia, onde cada aluno compromete-se em convidar seus parentes e vizinhos para vir participar. Prepara o ambiente, o clima para acolher as pessoas, é parecido com uma Feira de Ciências, porém com outra lógica. A lógica é para o aluno mostrar o envolvimento do tema com a vida da comunidade que foi pesquisada e provocar os presentes a uma ação concreta para minimizar ou resolver os problemas, a partir dos novos conhecimentos produzidos pelos alunos, com a pesquisa feita na comunidade e o desdobramento na escola.

A lógica, portanto, é provocar uma ação grupal e coletiva frente às descobertas dos estudos. O campo nesse caso é amplo, pois pode ser uma ação dos alunos dentro da escola, pode ser uma ação fora da escola, pode ser uma ação que exija envolvimento de autoridades e serviços públicos, e daí, podem nascer iniciativas, comissões, equipes de trabalho e toda uma mobilização onde a Escola lidera, a partir do que é sua missão específica: formar as pessoas a partir da construção de conhecimentos.

Portanto, a Escola não está fazendo algo estranho à sua missão, muito pelo contrário, está aprofundando sua missão. Está ampliando em muito o que se produz em sala de aula, está valorizando seus alunos na medida em que esses se apresentam à comunidade mostrando do quanto foram capazes e provocando a uma ação da mesma diante dos problemas. Com essa provocação, a partir de um conhecimento novo que pode tornar-se além de novo inovador, parceiros de diversos segmentos vão surgir, inclusive, já no desdobramento da temática, a escola pode convidar pessoas para ir às suas salas de aula, como as salas de aula ir onde elas estão.

A professora Maria José Tavares, conhecida como Liinha, no município de Vicência – PE levou sua turma de ensino médio a visitar a cadeia local para conhecer, entrevistar os presos, documentar com fotos a visita, entrevistar o agente responsável pela guarda. O depoimento dos presos provocou nos alunos sentimentos fortíssimos que foram desdobrados em sala de aula. Outros segmentos vão ainda ser visitados, como o Ministério Público, o fórum, o juiz da comarca.  São alunos de uma escola pública estadual.

Outras professoras e turmas por conta de uma ação tão inusitada já despertam a curiosidade pelos resultados desse estudo e já querem partilhar entre si. E as pessoas e instituições que estão sabendo já querem contribuir com algo que está sendo gestado. Tudo porque a professora aprendeu e dominou essa metodologia nas escolas do campo e atualmente ensinando na cidade e em escola estadual começou a usar a mesma metodologia.

  1. E depois, o que fica...

Evidente que um processo desses que envolve tantas pessoas necessita de um momento especial para avaliar. Para a avaliação sugerimos muitas técnicas e dinâmicas que podem ser encontradas nesse mesmo blog. Cada autor, agente e ator do processo se auto-avalia fazendo sua autocrítica e faz a hétero-avaliação da participação dos demais autores. Não só os alunos são avaliados pelos seus professores, como tradicionalmente acontece, como também os professores são avaliados por eles e assim, com todos os participantes.

  1. Concluindo

Essa metodologia vem sendo desenvolvida a 19 anos por escolas do campo em PE, PB, AL e BA. Começou com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Mas hoje já é aplicada em todas as modalidades de ensino, inclusive no ensino superior e também na cidade. A Jornada Pedagógica realizada entre 5 e 7 de abril, dia do massacre foi uma troca de experiências entre essas modalidades e a construção de propostas para melhorar. Houve uma demanda para que essa metodologia não ficasse só no campo, mas viesse para iluminar a educação nas cidades. Talvez possa ser uma ótima oportunidade!

Gravatá – PE, 8 de abril de 2011
Abdalaziz de Moura Xavier de Moraes



[1] . Ver o livro desse mesmo autor Princípios e Fundamentos da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável, uma Proposta que Revoluciona o Papel da Escola diante das Pessoas, da Sociedade e do Mundo. Serta, Glória do Goitá – 2003.
[2] . Ficha Pedagógica na Peads é um instrumento que as professoras constroem como itinerário pedagógico, um instrumento indicando as 4 etapas da metodologia. A primeira etapa é um roteiro de pesquisa.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo seu 101º texto, superamos todas as espectativas com a II Jornada de Educação do Campo e essa experiência relatada no texto só vem a comprovar q a PEADS não se aplica só nas escolas do campo, mas sim em qualquer espaço escolar seja ele campo ou urbano.

    Inaldo Marques

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