domingo, 3 de abril de 2011

A QUESTAO DO TRABALHO NO CAMPO

Duas questões de fundo por trás da questão. 
Uma herança cultural do que representa o Campo no inconsciente coletivo. O papel do inconsciente nas pessoas – elementos fortes que marcaram a vida na infância e até no útero da mãe a vida das pessoas que ficam gravados nas pessoas e determinam o comportamento da gente. 
Traumas, medos, sustos, convivência feliz ou infeliz, que vivenciamos, sobretudo em períodos que a nossa consciência ainda não era bem desenvolvida a ponto de nos lembrarmos. 
Exemplo do chá na minha infância e na fase adulta. 
Todo mundo tem, pois o nosso comportamento nem sempre é determinado pelo que sabemos, nem pelo que queremos como também pela marcas que nosso organismo, nossa mente, nosso corpo registrou, gravou ao longo da nossa infância e adolescência e não percebemos nem onde, nem como ficou gravado. 
Exatamente porque não sabemos nem onde, nem como, o organismo reservou um lugar muito escondido, que só com apoio da psicanálise, da terapia, de muita reflexão conseguimos detectar. No nível da sociedade existem também marcas, traumas, momentos de dor e de felicidade que determinam comportamentos sociais, comuns a parcelas da população. Acontecimentos que vão delineando características, marcas no comportamento dos grupos humanos. Essa marcação, gravação, marca são estabelecidas através da cultura. 
As coisas acontecem, por exemplo, o trauma do 11 de setembro nos Estados Unidos com a destruição das duas torres, o caso do atentado no metrô de Londres ou os seqüestros contínuos que vem acontecendo, vão criando marcas comportamentais nas pessoas, nas famílias, nas instituições, na administração pública. Com a mídia e internet, ampliam-se a pessoas, grupos e instituições distantes dos acontecimentos. 
As pessoas passam a reforçar os cuidados com as portas, com os veículos, com os filhos. Passa a ter medo de freqüentar alguns lugares, a sair em algumas horas. No caso do Campo, na nossa história tivemos muitos traumas, o trabalho agrícola ficou por conta da escravidão sempre associado à trabalho escravo, sem remuneração digna, sem resultado gratificante, como estigma, castigo, coisa de quem não soube ler, subir na vida. A professora e a mãe, quando querem estimular o progresso do seu filho usam expressões desse tipo: Estuda menino, porque se não, tu vais ficar igual a teu pai, no cabo da enxada! 
Essa marca, esse trauma que aconteceu na nossa história deixou registro no inconsciente coletivo, quase no nosso DNA, na nossa cultura. 
A escola , fiel escudeira da cultura, veio fortalecer essas marcas, vendendo sempre a idéia para os alunos do campo que se quisessem ser felizes um dia, teriam que migrar para a cidade, para um lugar maior, senão não seriam gente! Criou e fortaleceu os preconceitos de que campo, meio rural era coisa de matuto, brocoió, pé rapado, de quem não fala bem a língua portuguesa.
Resultado é que ao longo de 40 anos de convivência com as pessoas e a vida no Campo, no litoral, zona da mata, agreste e sertão, a maior dificuldade para o trabalho no campo não tem sido a falta de terra, a falta de água, a falta de dinheiro, a falta de tecnologia e sim as marcas que ficaram na cultura nordestina, na maioria dos países latino-americanos e caribenhos, que o campo é negócio de enxada, de trabalho pesado, de atividade frustrante, coisa para pobre, para quem não pode se promover na vida. 
Superar esse trauma na família, na cabeça de um jovem e de uma jovem que nasceu e se criou no campo tem sido uma tarefa mais árdua do que conseguir terra, água, dinheiro e tecnologia. É muito importante entender isso, pois aí é que está o gargalho de muitos projetos, programas e políticas. Exemplo da minha primeira terra, do pronaf-jovem, de crédito fundiário etc. As análises da conjuntura, da situação política e econômica, das atividades técnicas também podem se equivocar. Exemplo das análises do IBGE . 
O que é urbano e o que é rural. 
Quais as previsões de cenários que foram feitas: o Campo vai desaparecer, a prioridade dos investimentos tem que ser para as cidades. Nem, merece dar tanta atenção aos problemas do campo, da terra, da água, da cultura, pois vai ficar apenas uma parcela ínfima da população morando no campo. 
Qual a repercussão de uma análise dessa na administração e na política pública, na economia, nas prioridades? Se vai desaparecer, então claro, que vamos nos ocupar do que vai ficar, permanecer, crescer, que são as cidades. Essas análises, essas categorias de pensamento também marcam o nosso país e a nossa cultura do usineiro mais bem sucedido ao agricultor mais pobre, do gestor mais bem intencionado ao perverso. Exemplo de Itapetim. 
O que o Serta tem feito para superar esses traumas e essas análises.
Já para existir na década de 80 e 90 tivemos de superar outras análises, da matriz ideológica que interpretava as mudanças sendo feitas pelo operariado urbano e a resistência a mudança sendo papel dos camponeses.

Abdalaziz de Moura

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