domingo, 31 de julho de 2011

RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA NA HISTÓRIA - Partilhando mais um texto


INTRODUÇÃO A FILOSOFIA
TEXTO 03 – CURSO DE CERTIFICAÇÃO DA PEADS
JULHO DE 2011.
 
 





 Abdalaziz de Moura
 Introdução

1.1.Uma condição imprescindível para o domínio da Peads pelos educadores e educadoras é identificar as diferenças entre ciência e filosofia, ou seja, entre conhecimento científico e conhecimento filosófico. E, em sequência poder distinguir os outros tipos de conhecimento em relação aos da ciência.[1]

1.2.Até o final da Idade Média e o início do Renascimento essa distinção e diferença não existiam. O estágio que a humanidade vivia não sentiu no ocidente a necessidade de fazer a distinção e diferenciar. Essas foram necessidades e possibilidades da era moderna, da evolução da humanidade.

1.3.Quando os autores liderados, sobretudo, por Francis Bacon (1561 – 1626 - inglês ) René Descartes (1596 – 1650 - francês), Galileo Galilei (1564 – 1642 - italiano) descobriram a necessidade de distinguir e separar a filosofia da ciência foi porque queriam avançar na busca da verdade e da ciência.

1.4.Analisando no contexto da época esse pensamento representou um grande avanço no campo da ciência, da política, da economia, da cultura, da civilização. Representou a quebra de paradigma e a libertação do domínio da inquisição religiosa que perseguia as pessoas que desobedeciam à Igreja Católica[2].

1.5.A Igreja com o poderio que tinha na Idade Média apresentava-se como juiz do conhecimento. Qualquer publicação que destoasse da Igreja poderia levar ao julgamento e condenação à fogueira.  E a publicação entrava no Index (relação dos livros proibidos). Com esse instrumento jurídico, a Igreja mandava[3].

1.6.Fazer ciência na época era um risco parecido com o pensar livre nos tempos de ditadura. O estigma de herege era usado como a ditadura usava o de subversivo, comunista! Pois tinha que ter o aval, o Placet (de acordo) das autoridades eclesiásticas. Se não, não poderia ser publicado, nem ensinado.

1.7.Para livrar-se da fogueira, os metodólogos foram obrigados a criar um subterfúgio, um tipo de escapatória, argumentando que suas descobertas diziam  respeito apenas às coisas materiais, ao que podia ser medido, contado, comprovado e não diziam respeito às realidades espirituais, campo da Igreja.

1.8.  Dessas realidades espirituais quem tem autoridade para falar é a igreja! Eles não se metiam nessa parte! Mas reivindicavam um campo próprio para a ciência, que era distinto e separado da teologia, da filosofia, do mito, da cultura, da política, ou seja, das opiniões e concepções. Ciência só se fosse provada matematicamente!

1.9.Esses outros conhecimentos faziam parte da opinião, da subjetividade, cada pessoa podia ter a sua visão, sua concepção, mas para ser ciência e verdade, não poderia ser assim, teria que ser objetiva, matemática. Usar um método que garanta que não é impressão, engano, equívoco, erro.[4]

1.10.                   A ciência veio evoluindo nessa direção, sempre atribuindo a ela a tarefa de desvendar os mistérios da matéria, das coisas e realidades materiais, com método próprio e com o uso da razão para distinguir o certo do duvidoso, da opinião. A busca da verdade não poderia submeter-se a tutela da filosofia, nem da religião.

1.11.                   Os séculos seguintes exarcebaram cada vez mais essa separação a ponto de fazerem da razão a luz para o conhecimento verdadeiro. Foi a famosa época do iluminismo, ou época das luzes, do poder absoluto da razão, diga-se da ciência em relação a outras formas e possibilidades de conhecimento.

1.12.                   Foi um processo histórico de libertação da religião e da criação do Estado Laico, independente, separado e da crença no poder da ciência, da razão. Pensou-se que seria a solução de todos os problemas da humanidade. Aquilo que a ciência não pudesse resolver, no futuro, com o avanço da mesma, seria resolvido.

1.13.                   Esse pensamento marcou a origem da escola moderna laica, seus currículos, conteúdos, didáticas e práticas pedagógicas. Favoreceu a razão em detrimento de outras dimensões, da subjetividade, da espiritualidade, da afetividade, da filosofia, da política. A escola tinha a luz para iluminar os a-lunos (sem luz).

  1. A Neutralidade da ciência

2.1.Esse pensamento criou também na escola e na universidade a crença do neutralismo científico, ou seja, quem faz ciência está neutro em relação à política, não tem partido, não tem religião, não tem compromisso com a cultura. É universal, superior às barreiras culturais, às diferenças e a filosofia.

2.2.Os países europeus, sobretudo os localizados no lado ocidental levaram essa crença para outros continentes. A descoberta dos novos continentes, do caminho para o comércio com as índias já era resultado e fruto dessa visão científica. Associado às descobertas, veio também o colonialismo.

2.3.O europeu latino (Itália, França, Bélgica, Espanha, Portugal ) e o anglo-saxão (Alemanha, Inglaterra, Holanda) ao chegar nas Américas, povoadas de índios, na África, povoada de negros, no sudeste asiático e na Oceania achava o conhecimento desses povos contaminado de mito, de superstições e de deuses.

2.4.Experimentavam o sentimento de superioridade em relação a todas essas populações encontradas. Falavam de descobertas, como se só a partir da chegada dos europeus é que esses povos entravam na história. Antes só se conhecia a história da Europa e do mediterrâneo.[5]

2.5.A partir de então, o europeu é que iria determinar a história dos colonizados, definir a melhor forma de usar o conhecimento, de fazer ciência. Se os colonizados quisessem se desenvolver, teriam que ser como o europeu, teriam que usar sua ciência, abandonar os mitos, a cultura, a religião, a filosofia.

2.6.O colonialismo teve muitas expressões, da expansão da cultura, da língua, da ciência até a exploração comercial dos produtos (cana do Brasil e da América Central, Ouro do México, Prata da Bolívia, Cobre do Chile, Guano do Peru, Café da Colômbia, Diamante da Angola e África do Sul), para lembrar apenas alguns.

2.7.Teve ainda a expansão de guerras fratricidas, para fornecer escravos para o mercado da mão-de-obra. Esses elementos não eram trazidos imunes de uma cultura, de um modo de pensar, de conceber o conhecimento, o mercado, o desenvolvimento, o poder. Não era tão neutro assim como a ciência pensava.

2.8.O colonialismo teve expressões mais modernas nos modelos de desenvolvimento, ora impostos pelos colonizadores (países desenvolvidos), ora imitados pelo mimetismo dos países subdesenvolvidos que queriam parecer como os seus colonizadores em fases mais avançadas do capitalismo.

2.9.O Brasil como outros copiavam o modelo europeu, consciente ou não, o modelo de fazer ciência desenvolvido nos países e continentes novos foi o europeu, ocidental, universal, positivista, laico, moderno, científico, técnico. Aceito sem restrições, incorporado à escola, à universidade, à administração.





[1] . Ver o Texto de Abdalaziz de Moura  1.8. Concepção de Ética, Valores na Peads.
[2] . Galileo não foi queimado, mas por duas vezes sofreu outras condenações, sobretudo pela descoberta da função do sol como centro do sistema solar e não a terra.
[3] . Mesmo autores religiosos como Santo Thomas de Aquino também fizeram parte em algum momento do Índice dos livros proibidos da Igreja. Por ai se vê o quanto a inquisição cerceava o pensamento.
[4] . Daí, o uso da Dúvida Metódica de Descartes. Duvidar até o extremo de tudo que pode ser falso até encontrar o verdadeiro. É diferente da Dúvida sistemática dos céticos que duvidavam por duvidar de tudo.
[5] . Quem tem uma ótima análise da colonização é o autor uruguaio Eduardo Galeano, no livro Veias Aberta para a América Latina, que já teve mais de 40 edições só no Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário